Lembro-me que, há três décadas atrás, sempre que os conteúdos violentos se extremavam, nas imagens televisivas, raramente transmitidas em directo, pois eram editadas, surgia quase sempre um(a) jornalista com o ar mais grave do mundo, recomendando às crianças, às pessoas mais sensíveis e impressionáveis, aos doentes cardíacos etc., que se abstivessem pura e simplesmente de as ver. O texto que também passava na vertical do écran, de baixo para cima, dizia o mesmo, num estilo bold, muito branco sob um fundo preto, numa televisão que também só se apresentava tristemente a preto e branco. Julgo que o efeito, em muitas pessoas, sempre foi o contrário. A minha mãe via-as entre os dedos, enquanto eu as mirava de olhos esbugalhados, arriscando muitas noites de insónias. Eram as touradas mal sucedidas, as brigas do hóquei sob o gelo (esse desporto tão distante), acidentes rodoviários e ferroviários brutais, crimes inusitados. A mudança que ocorreu desde então, até chegarmos aos dias de hoje, foi quantitativa e qualitativa.
A guerra, violência institucionalizada, passou a ser espectáculo com direito a interrupções televisivas para ser anunciada, tal como os corpos anónimos lançados em queda livre, para a morte, do alto das Twin Towers nova-iorquinas. Ou ainda os corpos de mulheres e crianças que se despedaçam regularmente nas ruas caóticas de Bagdad, ou Bassorá, entre explosões e chapa retorcida de automóveis e autocarros, que passaram a ser recorrentes e demasiado frequentes no troco que a administração americana, acto contínuo, exigiu. Estas imagens, e outras, que povoam diariamente o nosso espaço mediático, passaram a fazer parte de um reportório que se bestializa de forma crescente sem que, aparentemente, a humanidade pare para pensar. Tornaram-se rotina nos noticiários das oito enquanto meia humanidade continua calmamente a comer a sopa…como se nada fosse.
[Excerto da comunicação "When you are pushed, killing´s as easy as breathing”*- Cultura Visual, Violência e Cinema: Sobre a necessidade educativa de analisar criticamente as imagens da cinematografia contemporânea" a apresentar brevemente no Congresso Ibero-americano de Educação Artística, (ver Links/acontecimentos)]
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