L’homme est la seule créature qui soit susceptible d’éducation.

No dia 4 de Maio finou-se Vasco Granja.

Pertenço a uma geração que apenas tinha acesso aos escassos minutos de desenhos animados com que a cinzentona RTP brindava a pequenada naqueles anos de chumbo  marcelistas. Lá pelos meados dos setenta, o meu pai comprou uma Grundig e, de repente, senti-me rico. As vizinhas iam lá a casa ver televisão em comunhão. Porque ter televisão não era para todos. Ria-se e chorava-se por contágio.

Os meus heróis eram o rato Speddy Gonzalez , o Beep Beep, o incorrígivel Bugs Bunny, o guloso gato Silvestre, a tranquila pantera (supostamente) cor-de-rosa, naquela televisão tristemente a preto e branco! E estes minutos ... pareciam-me sempre escassos segundos, fugazes, na avidez com que desfrutava aqueles bonecos mágicos.

Depois de 74, Vasco Granja entrava pela nossa casa uma vez por semana e, mais do que a magia que nos trazia, o "tratamento" com  que brindava o seu público ficar-me-á na memória para sempre.

 Um "olá amiguinhos" deslustrava do tratamento sério e grave "senhores telespectadores*"  com que a maioria dos locutores da RTP, sempre circunspectos, iniciavam o contacto virtual com o público, mesmo depois de restaurada a liberdade de imprensa.

Granja coloriu-me a vida naqueles anos inocentes e descoloridos

Dos filmes de animação que Granja passava, mais do que a pantera cor-de-rosa, o do lápis mágico, enchia-me verdadeiramente as medidas.

Um rapazinho que ia desenhando aquilo que necessitava e o que desenhava tornava-se realidade.

Eu hoje, se tivesse um lápis daqueles, desenhava...literalmente, um país novo.

Assim...com duas ou três linhas, sem mais nem menos.

(* - "telespectadores sim, porque "telespectadoras" pressupunha já um grande avanço civilizacional, e que demorou o seu tempo a chegar à caixinha)